terça-feira, agosto 31

Cartaxo. [1]

generosidade incomum
uma voz rápida prendendo a minha atenção
música poesia vida e arte
juntas na mesma emoção
de gestos sutis
o flerte incomum
risadas sem graça
um brilho no olhar nunca visto antes
nunca visto por mim
os meus batimentos perdendo o controle
o alcool me deixando mais a flor da pele
mais um verso apaixonado
mais um gole de vinho barato
e enfim o toque dos teus lábios
as minhas mãos percorrendo a tua nuca
e o teu rosto barbado de homem boêmio
as tuas mãos acariciando minha cintura
puxando meu corpo pra junto de ti
o sorriso adolescente no fim do beijo
ele parece ter parado o tempo ao redor de
nós dois
tudo parecia ter tomado seu devido lugar
depois do beijo demorado
a noite parecia realmente ser uma criança
ainda no começo de sua longa vida
os outros olhavam com um ar de riso meio bobo
meio nem sei o que
na verdade os outros eram apenas coadjuvantes
aquela noite era estrelada por
nós dois.
paredes brancas com desenhos coloridos
teto de telhas marrons
o vento da cidade litorânea
apenas eles nos espiavam
o amor acontecia
sem medo sem dor
sem receio nem pudor
acontecia
e erámos apenas
nós dois
tudo escuro só sussuros
e aquela criança
tão nossa criança
agora chamava-se
bela madrugada


domingo, agosto 15

Sangue


Percebi meu lábio sangrando

a gota de líquido vermelho

coloria minha boca seca

e o sangue vinha carregado

menstruado, abortado


Dançavam em minha pele

átomos de álcool, água, saliva

a gota carregava amor e mágoa

desejos, certezas, algumas mentiras


Cuspi tudo na pia branca

o branco leite, o vermelho vivo

de súbito lembrei da noite anterior

engolia o sangue das uvas

engolia ferozmente

era como se estivesse a engolir

o sangue das minhas viúvas


Viúvas do amor derramado

viúvas dos sonhos roubados

viúvas até do que não foi encontrado


Observo novamente o branco leite,

o vermelho vinho

e jazem ali os corpos

de minhas esperanças mortas.

segunda-feira, agosto 2

Amizade em Clarisse.

Li agora um conto de Clarisse,

bebo agora mais um gole de um vinho barato qualquer

e o vento da varanda – do apartamento de uma amiga –

bate no meu rosto.

A casa está em completa harmonia.

A dona dorme, a hóspede observa inquieta.

O vento faz um barulho por entre as

frestas da porta da varanda.

Somente quem está na sala consegue ouvir.

Eu estou na sala.

Parece que as máquinas lá embaixo procuram se mover

sem os seus maquinistas comandarem.

É o barulho do urbano.

Do asfalto e do concreto.

Da madrugada tomando voz.

Do abstrato tornando-se vivo.

E do vinho deixando-me ébria.

Procuro minha mãe Lua companheira de quase todas as noites,

deve estar por ai iluminando a noite de algum casal apaixonado.

Aqui estou eu escrevendo minhas sentimentações

e também sensações. Seriam a mesma coisa?

Inspiro-me a falar sobre amizade.

Nobre e honrado sentimento.

Tantas trocas, favores e no final:

Silencio.

Sim, silencio.

A amizade sincera no fim

encontra o silencio esperado e

tão ao mesmo tempo inesperado.

Eles se reconhecem a fundo,

se conhecem no âmbito do mal,

do bem, e do ser humano.

E no fim, são dois amantes.

Ah, a amizade. Que também é amor.

Que a tantos salvou,

que a tantos desgraçou,

que a tantos consagrou.

Es tu e não a religião,

Mas simplesmente tu, o elo dos homens...